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Fontes para o Estudo da História de Angola
De uma forma geral, as fontes para o estudo da História de Angola são muito escassas e de frágil objectividade, consistindo a maioria de documentos relacionados com a presença portuguesa em Angola, o que variou muito ao longo dos últimos cinco séculos em termos de inclusão de estados e povos nativos e seus territórios.
Antes de discutir as fontes da história de Angola em mais promenor é útil cobrir os cinco tipos de fontes para o estudo de história:
- . Fontes documentais (primárias e secundárias)
- . Tradição Oral
- . Pesquisa arqueológica (antropológica e etno-histórica)
- . Estudos de comparação e evolução de línguas nativas, e
- . Estudos de diferenciação genética
Cabe aqui entretanto prestarmos atenção a dois aspectos importantes sobre o estudo das fontes da história de Angola:
Abordagem multifacetada
Quando o estudioso de história estuda um determinado facto histórico, um período, ou uma população, ele/ela não se limita ao uso de uma só fonte de história; com efeito ele/ela tenta usar todos os tipos de fontes disponíveis que possam ajudar, pois além de proporcionarem uma melhor confirmarmação do objecto e conclusões do estudo, na maior parte dos casos uma fonte só não é suficiente para proporcionar toda a informação que é necessária.
Assim, o estudioso de história usa não só fontes documentais, mas tamém outras fontes ao mesmo tempo, por exemplo fontes documentais complementadas por evidência obtida através do estudo de outras fontes como o estudo da tradição oral, pesquisa antropológica e etno-histórica, evolução e comparação de línguas e dialectos, e confirmação de variações genéticas da população a ser estudada ao longo de várias gerações ou mesmo séculos.
Este enfoque multidisciplinar, se bem que requeira um maior esforço de estudo, ajuda muito a identificar, explicar e interpretar o tópico que o historiador está a estudar.
Fontes de História e Fontes de Pré-História
È comum dividir-se a história das sociedades humans em dois períodos principais: a Pré-História e a História. A Pré-História refere-se ao periodo desde a criação até à invenção ou aparecimento e adopção da escrita, e a História refere-se ao periodo depois do aparecimento ou adopção da escrita. Assim documentos escritos assumem um papel primordial nas fontes para a história e um papel quase nulo para a Pré-História, pois esta refere-se ao período que antecede a invenção ou aparição ou adopção da escrita. Assim, se não pudermos usar documento escritos na pesquisa pré-histórica que fontes vamos usar?
Felizmente esta lacuna pode ser preenchida com frequência por duas outras fontes: a pesquisa arqueológica para a evidência da cultura material (utensilios, vestígios de alimentos, vestuário, habitação, arte, armas, etc.), e investigação etno-histórica (história s de criação, mitos, religião, cronologias dinásticas), evolução linguística e comparada, e de tradição oral (lendas, estórias, canções, feitos de antepassados, linhagens, e feitos militares) para evidência da cultura não material.
Assim, para o estudo da pré-história de Angola, entendendo-se que esta abranja todo o tempo desde o inicio de povos e estados até à chegada dos portugueses em 1482, o valor da pesquisa histórica de fontes documentais primárias é muito limitado (quase nulo até), ao passo que o uso da tradição oral, pesquisa antropológica, e estudos de comparação e evolução linguística se tornam essenciais.
O Factor "Tempo" e Fontes de História
Temos ainda que ter em atenção que cada fonte de história tem a sua temporalidade. Com efeito um documento escrito refere-se normalmente a um período de tempo muito específico (um dia ou um ano), ao passo que a pesquisa arquológica a um período mais longo (uma ou várias gerações), a tradição oral a várias gerações, a os estudos comparativos de linguagem a muitas gerações, e os estudos de evolução e variação genéticas a vários séculos.
Variabilidade do Objecto de Estudo - o caso de Angola
Outro aspecto que é importante ter em atençaõ é a "variabilidade" do objecto de estudo ao longo dos tempos, pois este raramente se mantém constante. Quando estudamos a história de Angola, o que é que queremos dizer?
Nós sabemos que Angola só atingiu a sua unidade história na década de 1920, quando todos os povos que mais tarde fariam parte da colónia de Angola foram "reunidos" na colónia de Angola e mais tarde em 1975 passaram a ser parte de o país soberano de Angola.
Quando nos referimos a Angola de 1870, por exemplo, estamos necessariamente a referirmo-nos à colónia de Angola desse tempo, que apenas incluia a maioria do povo Ambundo da baía de Luanda e bacia do Cuanza, uma pequena parte do povo Bakongo a sul do rio Zaire, e uma pequena parte do povo Ovimbundo próximo de Benguela, Caconda e Quilengues, excluindo todos os outros povos e seus territórios que mais tarde passaram a fazer parte de Angola (a maioria do povo Ovimbundo, e a totalidade dos povos Lunda, Nganguela, Herero, Ambó, Nhaneka, Humbe, Lunda, Xindonga, e das comunidades Khoisan (ainda não organizadas em forma de estado). Se formos um pouco mais atrás no tempo, 1648 por exemplo, a colónia de Angola era ainda muito mais reduzida pois compreendia apenas a baía e ilha de Luanda, uma breve faixa ao longo do da foz do rio Kwanza (Massangano, Cambambe, e Muxima), apenas uma pequena parte do então reino do Ndongo.
Como exemplo "oposto" a esta varião de povos e territórios podemos usar o caso de Portugal, que manteve a sua identidade nacional e totalidade territorial mais ou menos inalterada por quase nove séculos.
Depois destes dois pontos importantes, passamos agora ao estudo de cada uma das fontes de história:
1. Fontes Documentais
As fontes documentais para o estudo da história classificam-se em geral em dois tipos: fontes primárias e fontes secundárias.
1.1 Fontes Documentais Primárias
Fontes primárias referem-se a qualquer trabalho original (documento, carta, oficio, relatório, acordo diplomático, disposição legal, decisão ou acórdão de tribunal, notícia, memória, mapa, registo notarial, estatística, ou cadastro) que tenha sido escrito durante a época (ou pouco tempo depois) em que o objecto de estudo aconteceu. As fontes primárias são a matéria prima básica para o estudo da história. As fontes documentais primárias originais são normalmente guardadas com muito cuidado em arquivos especiais e são feitas disponíveis aos estudiosos e o público em geral em forma de cópia ou outra forma de publicação, livro, mapa, fotografia, ou imagem digital.
Como exemplos mais marcantes de fontes primárias no estudo da história de Angola (mais concretamente sobre a história dos portugueses nos reinos do Congo e Angola) sugiro as seguintes obras importantes:
a) A Relatione del Reame di Congo et delle Circuonvicine Contrade Tratta dalli Scritti & Ragionamenti di Odoardo Lopez Portoghese per Filippo Pigafetta com disiegni vari di Geografia, di piante, d'abiti, d'animali, & altro - Relação do Reino do Congo e das Terras Circunvizinhas - Tirada dos Escritos e Discursos de Duarte Lopez, Português - Por Filippo Pigafetta - Com Desenhos vários de Geografia, de Plantas, de trajos, de animais, etc., publicado em Roma em 1591 e traduzido em português por Rosa Capeans, publicado pela Agência Geral do Ultramar, em Lisboa em 1951. Nesta importante fonte da história de Angola encontramos uma descrição em primeira mão do Antigo Reino do Congo durante a época logo a seguir à chegada dos Portugueses (1483) e antes da sua consequente expansão para o Antigo Reino de Ndongo na bacia do Rio Quanza.
b) O manuscrito Um Inquérito à Vida Administrativa e Económica de Angola e do Brasil em Fins do Século XVI conduzido pelo Licenciado Domingos de Abreu e Brito, e publicado pela Universidade de Coimbra em 1931 pelo Coronel Alfredo de Albuquerque Felner. Esta sindicância aos actos do governador Paulo Dias de Novais visava expor as irregularidades crónicas na administração de Angola e do Brasil desse tempo e dá-nos uma boa descriçao da organização do tráfico de escravos, da organização administrativa e militar de Angola e oferece um número de sugestões para o governo mais eficiente de Angola e do Brasil.
c) The Strange Adventures of Andrew Battell of Leigh, in Angola and the Adjoining Regions, publicado por Samuel Purchas em Londres em 1625, em que descreve a estadia de Andrew Battell nas terras do Dongo e do Congo durante o periodo de 1590 a 1610, focando em particular na expansão dos Jagas (Imbangala)da Matamba nos reinos do Congo e do Ndongo (Angola). A obra de Samuel Purchas foi editada e completada com notas por E. G. Ravenstein adicionada de uma breve e concisa história do Congo e Angola, publicada pela Hakluyt Society em Londres em 1901.
d) A obra em três tomos História Geral das Guerras Angolanas escrita e completada em 1680 pelo Capitão António de Oliveira Cadornega. Esta importante fonte primária da história de Angola foi somente publicada em Portugal pela Agência Geral do Ultramar em 1972, sob a direcção e revisão do Padre José Matias Delgado (falecido em 1932), embora algumas porções tenham sido publicadas pelo Padre Ruela Pombo na sua revista Diogo Cão em 1933. A obra de António de Oliveira Cadornega é particularmente importante pois relata pelo punho de um protagonista os principais acontecimentos em Angola e Congo nos primeiros tempos do avanço da conquista portuguesa da baixa do Rio Cuanza (Cambambe, Muxima e Massangano) e da resistência a esta ocupação pelos estados nativos do Dongo (Angola), Matamba, e Congo, com relevância especial para a vida e o papel da raínha Ginga (Nzinga Mbandi / Dona Ana de Sousa) nessa resistência.
e) Em 1687 foi publicada em língua italiana a Istorica Descrizione de' tré' Regni, Congo, Matamba et Angola Situati Nell Etiopia Interiore Occidentalle e Delle Missioni Apostliche Efercitateui da Religiosi Capuccini pelo Padre João António Cavazzi de Montecúccolo, traduzido para português pelo Padre Graciano Maria de Leguzzano (Descrição Histórica dos Três Reinos de Congo, Matamba e Angola), e publicado pelo Agrupamento de Estudos de Cartografia Antiga da Junta de Investigações do Ultramar, em Lisboa, em 1965. O foco desta magnífica obra em três volumes com muitas ilustrações é a acção apostólica dos Padres Capuchinhos no Reino do Congo entre 1645 e 1670, mas oferece também uma extraodinária desrcrição da vida no Reino do Congo desse tempo.
f) A História de Angola escrita por Elias Alexandre da Silva Corrêa, militar luso-brasileiro que serviu seis anos em Angola (1782 - 1789), oferece no segundo volume uma boa monografia da colónia de Angola desse tempo, incluindo uma descrição da suas vilas e povoações, administração e organização militar, e em especial da sua estrutura económica como colónia fornecedora de escravos para o Brasil. Elias Alexandre da Silva Corrêa oferece também no primeiro volume um bom sumário dos feitos dos governadores de Angola, desde Paulo Dias de Novais até ao governador José de Almeida e Vasconcelos Soveral e Carvalho (1790). A História de Angola, de Elias Alexandre da Silva Corrêa foi publicada pela Editorial Ática em 1937, sob direcção do Dr. Manuel Múrias, inserida na Colecção dos Clássicos da Expansão Portuguesa no Mundo.
g) Embora de interesse mais específico, os Ensaios Sobre Algumas Enfermidades D'Angola, pelo Doutor José Pinto de Azeredo, publicado pele Regia Officina Typografica, em Lisboa, em 1799. Esta obra foi posteriormente publicada pelo Arquivo Histórico de Angola, uma agência do Instituto de Investigação Científica de Angola, em Luanda, em 1967. A importância destes ensaios reside na descrição promenorizada da ciência médica e farmacológica e do estado geral de saúde e doenças que afligiam os residentes de Luanda nos fins do século XVIII, oferecido por um médico, que foi também professor da primeira escola médica em Luanda, e que lá viveu nessa época.
h) O Ensaio Estatístico Sobre a Estatística DÁngola e Benguella e Suas Dependências na Costa Occidental DÁfrica ao Sul do Equador é o 3º volume da série de seis monografias preparadas por José Joaquim Lopes de Lima, sobre as possessões portuguesas na Àfrica ocidental e oriental, na Ásia ocidental, na China, e na Oceânia, publicado em Lisboa em 1844-46 e a primeira obra que oferece um excelente compêncio histórico-estatístico detalhado da vida na colónia de Angola na primeira metade do século XIX.
i) A História do Congo é uma colecção de 211 cartas, correspondência oficial e documentos importantes relativos ao antigo Reino do Congo, datados entre 1492 e 1724, compilados pelo Visconde de Paiva Manso, publicada a título póstumo pela Typographia da Academia Real das Sciencias de Lisboa em Lisboa em 1877, dois anos depois do seu falecimento.
j) A obra Angola - Apontamentos Sôbre a Ocupação e Início do Estabelecimento dos Portuguesew no Congo, Angola, e Benguella Extraída de Documentos Históricos coligidos pelo Coronel Alfredo de Albuquerque Felner, publicado em 1933 pela Imprensa da Universidade de Coimbra, apesar de essencialmente ser mais uma fonte secundária do que primária, inclui no seu Apêndice a transcrição de 104 documentos históricos relevantes ao início da ocupação e conquista portuguesa dos antigos reinos do Congo, Angola (Ndongo e Matamba), e Benguela.
k) Depois de publicar a sua obra magna Angola - Apontamentos Sôbre a Ocupação e Início do Estabelecimento
dos Portugueses no Congo, Angola, e Benguella Extraída de Documentos
Históricos, Alfredo de Albuquerque Felner continupou a estudar a ocupação e expansão portuguesa a sul do rio Quanza, o que infelizmente não conseguiu completar pois veio a falecer em 1937 aos 65 anos de idade. Nos dois anos seguintes o seu amigo e prominente historiador Gastão de Sousa Dias editou e completou o trabalho de Alfredo de Albuquerque Felner que veio a ser publicado em três volumes pela Agência Geral das Colónias em 1940 sob o título Angola Apontamentos Sobre a Colonização dos Planaltos e Litoral do Sul de Angola Extraídos de Documentos Históricos por Alfredo de Albuquerque Felner (Obra Póstuma). Dos três volumes (857 páginas), mais de 700 páginas are dedicadas à transcrição de documentos de relevância histórica. Alfredo de Albuquerque Felner e Gastão de Sousa Dias eram amigos de longa data, tendo o primeiro sido governador de Moçamedes (Namibe) e por conseguinte ter vivido em Moçamedes durante alguns anos e o segundo ter sido professor do Liceu Diogo Cão em Sá da Bandeira (Lubango), e lá ter vivido durante muitos anos.
l) Entre 1933 e 1943 a Repartição Central de Estatística de Angola e mais tarde o Museu de Angola publicaram a série Arquivos de Angola que visava a publicação fiel de documentos históricos existentes nos arquivos públicos de Angola. Sob a liderança do Monsenhor Alves da Cunha e colaboração de um grupo de professores do antigo Liceu Central de Salvador Correia em Luanda, e de Alberto (Jorge Júdice Ferreira de) Lemos, quadro superior dos antigos Serviços de Fazenda de Angola nas décadas de 1930, 1940, e 1950 nos Arquivos de Angola foram publicados um grande número de documentos oficiais originais muito úteis para o estudo da história de Angola.
m) A Monumenta Missionária Africana, publicada em 15 volumes, compilada pelo Padre António Brásio, C.S.Sp., entre 1952 e 1988, é decerto a mais extensa compilação de documentos históricos relacionados com a presença da Igreja Católica nas antigas possessóes portuguesas na costa ocidental de África (incluindo Angola), contendo milhares de documentos. Os primeiros 12 volumes desta obra monumental foram publicados pela antiga Agência Geral do Ultramar, e os últimos três pela Academia Portuguesa de História, ambas em Lisboa.
n) Na décadas de 1960 e 1970, o antigo Centro de Estudos Históricos Ultramarinos publicou duas séries de publicações de muito interesse para o estudo da história de Angola. A primeira de caracter mais geral publicada em 1962, Documentação Ultramarina Portuguesa abrangendo todas as possessões portuguesas ultramarinas, e a segunda em três volumes chamada Angolana (Documentação Sobre Angola), publicada em Lisboa em 1968, 1971, e 1976 em cooperação com o Instituto de Investigação Científica de Angola, sobre a coordenação do escritor e nacionalista Mário António Fermandes de Oliveira. As Gavetas da Torre do Tombo, também publicadas pelo Centro de Estudos Históricos Ultramarinos contêm também alguns documentos de interesse que se referem a Angola.
Como se pode verificar a lista de fontes de história de Angola abrange principalmente os antigos estados do Congo, Ndongo e Matamba deixando aberta uma lacuna muito grande no que respeita aos outros povos e estados que existiram dentro do território a que hoje chamamos Angola. Com efeito o número de fontes primárias documentais para todos esses povos e estados é quase nula.
Esta limitação severa das fontes documentais primárias no que respeita aos outros povos de Angola leva-nos a recorrer a outras fontes de história além das documentais primárias, com ênfase na tradição oral,e na pesquisa antropológica, etno-histórica e linguística.
1.2 Fontes Documentais Secundárias
Por outro lado, fontes secundárias são aquelas que estudam as fontes primárias de um tópico em história depois do tempo do tópico a que o estudo se refere. Fontes secundárias são em geral estudos posteriores que cobrem a descrição, análise e explicação de fontes primárias. A obra do Professor Joseph Miller "Way of Death - Merchant Capitalism and the Angolan Slave Trade 1730 - 1830", publicada em 1988 pela University of Wisconsin Press é um exemplo de uma fonte secundária pois é um estudo extenso e profundo de fontes primárias sobre a prática do tráfico de escravos da região de Angola durante o século que vai de 1730 a 1830, escrita no último quartel do Século XX.
Em termos de documentação escrita, no estudo da História de Angola só temos acesso a documentos escritos depois da chegada dos Portugueses à foz do Zaire em 1481. Estas fontes escritas se bem que escassas são valiosas, pois dão-nos uma descrição em primeira mão de como ocorreu o processo de contacto entre duas culturas; contudo, devemos sempre notar que os escritos dos Portugueses e dos missionários reflectem necessáriamente as perspectivas portuguesa e cristã ao longo dos tempos, e não necessáriamente a objectividade dos factos históricos.
A bibliografia colonial portuguesa sobre Angola é de certa forma extensa, comparada com a bibliografia de outras regiões africanas a sul do Sahara. Contudo, esta precisa de ser "traduzida" antes que se possa usar com propriedade na formulação da História de Angola mais autónoma e menos colonial. É assim importante discernir nas diferentes "Histórias de Angola" publicadas ao longo dos tempos, as diferentes interpretações que os seus autores lhes deram.
Na verdade, podemos dizer que o progresso registado nos últimos anos no estudo e investigação da História de Angola, em Angola, no Brasil, em Portugal, na Inglaterra, e nos Estados Unidos da América, tem a haver na sua grande maioria com a reintrepretação de documentos coloniais à luz de uma perspectiva mais angolana e objectiva, e menos colonial e cristã.
De particular importância para o estudo da História de Angola é ainda o estudo das descrições e memórias, autobiografias, relatos de viagens, diários e correspondência privada existentes. Contudo, apenas podemos usar estas fontes depois de as despir-mos de opiniões pessoais e juízos de valor que as acompanham, enquadradas no espaço e no tempo. É de facto muito interessante ler, por exemplo, as opiniões e comentários do Padre João António Cavazzi de Montecúccolo, na sua Descrição Histórica dos Três Reinos do Congo, Matamba e Angola, onde a evidência da sua formação europeia e cristã do seu tempo está sempre tão presente.
Em termos de bibliografia pós-colonial estrangeira pode dizer-se que os maiores polos de pesquisa história corrente são as universidades brasileiras e norte-americanas. Os trabalhos brasileiros concentram-se particularmente no tráfico de escravos e na administração portuguesa ultramarina (em Angola como "colónia" brasileira durante todo o período do tráfico de escravos), e os trabalhos americanos na re-leitura e re-interpretação de obras de história colonial portuguesa e na conversão do foco principal do "português" para o "angolano" no contexto da história de África e do Atlântico Sul.
Cabe referir aqui uma obra de investigação histórica de extraordinário valor: O Atlas of the Atlantic Slave Trade, da autoria dos professores David Eltis e David Richardson, publicado em 2010 pela Yale University Press. A obra inclui mais de 200 mapas com estatísticas detalhadas sobre o tráfico trans-Atlântico de Escravos, delineando mais de 35.000 viagens marítimas de navios tumbeiros desde 1501 a 1867, portos de saída e de entrada, e número de escravos embarcados e desembarcados. A informação contida nesta importante fonte é baseada na Transatlantic Slave Trade Database Project composta de 228 campos numa base de dados compilada pelo Instituto W.E.B. Du Bois da Universidade de Harvard (EUA), sob a orientação técnica dos professores David Eltis, Stephen Behredt, David Richardson, e Herbert Klein, e publicado pela Cambridge University Press. Website https://www.slavevoyages.org/ .
Pela sua extrema utilidade na pesquisa de história de Angola, a obra monumental em seis volumes (1.660 páginas) de Roberto Correia Angola - Datas e Factos é uma cronologia detalhada de factos históricos importantes na evolução de Angola desde a chegada dos portugueses em 1482 até ao fim da guerra civil em 2002. A obra foi publicada em Lisboa pelo autor entre 1998 e 2002.
2. Tradição Oral
Não temos também acesso a informantes, entrevistas e narrativas de tradição oral, pois escasso é o trabalho neste campo de investigação histórica, e mais escassas ainda são as suas fontes para uma melhor compreensão da História de Angola.
Cabe ainda referir o papel importante que a mitologia, as lendas, contos, advinhas, canções, danças, festejos e jogos podem desempenhar na interpretação de factos ou personagens históricas passadas. A cultura popular e o folclore dão uma visão não oficial dos factos, personagens e acontecimentos importantes, muitas vezes mais ricas e mais verdadeiras, e pouco mencionados nas fontes mais convencionais. Por exemplo, a obra de Óscar Ribas, pelo seu esforço em transcrever um grande número de elementos de cultura popular luandense, é hoje uma fonte imprescindível, na verdade um tesouro valioso, para se compreender o quotidiano de Luanda indígena e crioula.
3. Evidência Arqueológica
A evidência arqueológica é também muito escassa e ainda não está organizada numa forma sistemática. Apesar dos trabalhos de Desmond Clark, Camarate França, Santos Júnior, Carlos Ervedosa, e outros, na segunda metade do Séc. XX, muito ainda está por estudar no que diz respeito à cobertura arqueológica de Angola. Expand
4. Antropologia e Etno-História
Cabe aqui realçar o papel especial da antropologia (por alguns estudiosos designada por etnologia ou etnografia) e da etno-história no estudo e compreensão das sociedades angolanas tradicionais, e a contribuição que estas podem dar a uma formulação mais correcta e abrangente da História de Angola. Sabemos assim das contribuições valiosas que um número restrito de etnólogos (ou antropólogos, a saber, Henrique de Carvalho, José Redinha, Carlos Estermann, João Vicente Martins, Mário Milheiros, Manuel Alfredo Morais Martins, e Mesquitela Lima) deram para o conhecimento mais profundo da etno-história de alguns povos de Angola.
É ainda importante referir que para esta Viagem Pela História de Angola recorri somente a fontes secundárias (bibliografia) e que não conduzi qualquer investigação original baseada em fontes primárias. Assim, filtrei e extrapolei a informação que tive disponível e recorri sempre que necessário à economia política, à sociologia, à antropologia, à demografia e a outras disciplinas sociais para tentar colmatar as lacunas da desejada evidência histórica.
5. Linguistica Comparada
Trabalho em progresso
6. Diferenciação Genética
Trabalho em progresso
Foi pois difícil para mim escrever sobre um tópico em que as fontes sejam tão limitadas e esparsas. Contudo, e apesar das grandes lacunas que reconheço, é importante que o faça com o maior rigor e objectividade possível. Recorri assim a numerosas obras em inglês, francês e espanhol, em que alguns autores tentaram com alguma frequência denegrir o esforço português e a sua obra, o que me senti obrigado de vez em quando a abrandar ou corrigir.
No meu caso pessoal, não tive o benefício do diálogo ou da troca de ideias com outros estudiosos da História de Angola, pois estou longe de qualquer grupo que se interessa por este tópico tão exótico. Esta foi assim uma empresa solitária, e por isso mesmo mais sujeita ainda a maior risco de subjectividade.