3 - Introdução ao Estudo da História de Angola

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Location: Cranbrook, Colômbia Britânica, Canada

Helder Fernando de Pinto Correia Ponte, também conhecido por Xinguila nos seus anos de juventude em Luanda, Angola, nasceu em Maquela do Zombo, Uíge, Angola, em 1950. Viveu a sua meninice na Roça Novo Fratel (Serra da Canda) e na Vila da Damba (Uíge), e a sua juventude em Luanda e Cabinda. Frequentou os liceus Paulo Dias de Novais e Salvador Correia, e o Curso Superior de Economia da Universidade de Luanda. Cumpriu serviço militar como oficial miliciano do Serviço de Intendência (logística) do Exército Português em Luanda e Cabinda. Deixou Angola em Novembro de 1975 e emigrou para o Canadá em 1977, onde vive com a sua esposa Estela (Princesa do Huambo) e filho Marco Alexandre. Foi gestor de um grupo de empresas de propriedade dos Índios Kootenay, na Colômbia Britânica, no sopé oeste das Montanhas Rochosas Canadianas. Gosta da leitura e do estudo, e adora escrever sobre a História de Angola, de África e do Atlântico Sul, com ênfase na Escravatura, sobre os quais tem uma biblioteca pessoal extensa.

Saturday, July 28, 2007

3.9.3 Angola, o Fim da Guerra Fria, e a Re-Africanização da África Austral


3. Angola, o Fim da Guerra Fria, e a Re-Africanização da África Austral

Amigo Leitor - Este capítulo ainda em desenvolvimento

A mais longa guerra de libertação nacional em África

O Regresso das Caravelas

Angola Lugar Quente da Guerra Fria

O Fim da Rodésia, do Sudoeste Africano e do Apartheid na África do Sul

O desmoronamento da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e o Fim da Guerra Fria

Numa época mais recente, podemos ainda relembrar o exemplo da relevância do petróleo de Angola na economia mundial do Séc. XXI.

3.9.2 O Papel de Angola na Corrida à África e no Estabelecimento de Impérios Coloniais


2. O Papel de Angola na Corrida à África e no Estabelecimento de Impérios Coloniais

Amigo Leitor - Este capítulo eastá ainda em desenvolvimento

Angola e o Colonialismo Europeu

1795 escravatura abolida na Holanda
1807 - tráfico de escravos abolido na Inglaterra
1834 - Escravatura abolida no Império Britânico
1867 - Os primeiros diamantes são descobertos na África do Sul
1869 - Completa-se a construção do Canal do Suez

2.1 A Revolução Industrial e o Imperialismo Europeu

A Revolução Industrial foi um factor decisivo no imperialismo europeu. As economias europeias precisavam não só de matérias primas e de mão-de-obra a baixo custo, como precisavam também de novos mercados para os seus produtos manufacturados. Os povos africanos ofereciam aos estados europeus a melhor oportunidade de expansão não só pela sua proximidade geográfica e massa de população, como também pelo facto de o continente africano não estar sob a hegemonia de qualquer potência.

2.2 A Abolição da Escravatura e do Tráfico de Escravos

Assim, a abolição da escravatura e do tráfico de escravos do Atlântico acontecerem tão só por razões morais mas mais por razões económicas. A Inglaterra, refeita da perda das colónias da América, passou a concentrar os seus esforços na expansão de novos mercados fornecedores de produtos tropicais essenciais ao crescimento da sua indústria, ao mesmo tempo que novos mercados consumidores eram necessários para a colocação dos seus produtos. Com efeito, consciente da concorrência que lhe podia advir dos Estados Unidos da América, nada melhor que advogar e policiar a abolição da escravatura e do tráfico, pois tal reduziria a capacidade das antigas colónias Americanas de expandir a sua economia, e deste modo desafiar a hegemonia britânica, pois o escravo era ainda a principal fonte de riqueza nas Américas. Quanto às colónias espanholas e portuguesas da América Central e do Sul, a estratégia britânica baseou-se no suporte à onda de independência política que assolou a América Latina no primeiro quartel do Século XIX e na abertura dos seus portos e economias às mercadorias produzidas em Inglaterra.

2.3 Portugal e a Colónia de Angola

Este paradigma fez-se reflectir em Portugal e nas suas colónias através da independência do Brasil em 1822 e a consequente abertura dos seus portos ao comercio internacional, e nas praças de África, na abolição do tráfico negreiro. No caso particular de Angola, pode dizer-se que a expansão do domínio português para o interior da colónia de Angola foi um dos primeiros resultados da abolição da escravatura em Portugal mercê dos esforços do Marquês de Sá da Bandeira em 1836.

Com efeito a expansão territorial do domínio português em Angola começou em 1838, com o estabelecimento do Forte do Duque de Bragança perto da quedas do mesmo nome (Calandula),perto da confluência dos rios Lucala e Quanza. Dentro dos próximos dez anos, os Portugueses estenderam o seu domínio até à margem do Rio Cuando.

Entretanto em 1840, era fundada a povoação de Moçâmedes, a sul de Benguela, e durante o mesmo período os Portugueses tentaram a conquista dos povos da costa entre Luanda e Cabinda (Ambriz, Ambrizete (Nzeto), e Santo António do Zaire (Soio), não conseguindo porém os seus objectivos devido à oposição britânica.

Como medida de estabelecer com melhor firmeza o seu domínio no reduzido território que controlavam ao longo do Rio Quanza, os Portugueses impuseram um imposto “por cabeça” que tinha de ser pago por africanos em moeda corrente ou em produtos coloniais, obrigando-os assim a participar na economia colonial, o que em breve resultou na expansão do domínio económico dos Portugueses às regiões limítrofes do interior.

2.4 As Viagens de David Livingstone e o Imperialismo Britânico

David Livingstone nas suas viagens ao interior de África que desde 1852 tinham assegurado um bom número de acordos de protecção britânica com muitos chefes locais, alguns dos quais situados no território entre Angola e Moçambique, agravou as diferenças entre Portugal e a Inglaterra que disputavam a vassalagem dos povos da região. levando e o objectivo britânico de dominar todos os territórios ao longo da faixa entre o Cabo (na África do Sul) e Cairo (no Egipto) eram desafios que os Portugueses não podiam deixar de ignorar e atender de imediato, sob pena do não reconhecimento pela comunidade internacional dos seus direitos históricos, que não eram já reconhecidos por nenhum estado europeu.

2.5 A Sociedade de Geografia de Lisboa

Em 1870 o Ministro da Marinha e do Ultramar português estabeleceu uma comissão para preparar uma expedição por terra entre Angola e Moçambique com o fim de reafirmar o domínio português sobre a longa faixa de território entre as duas colónias. Com a criação da Sociedade de Geografia de Lisboa em 1875, o esforço português em África ganhou um ímpeto muito grande, já que mobilizou um número grande de comerciantes e industriais, estudiosos, missionários e oficiais militares de carreira, e fazendo Portugal acordar para a realidade africana uma geração após a independência do Brasil.

Melhores meios financeiros e maiores recursos humanos foram postos à disposição pelo governo português para estudo, ocupação e colonização de praças em África, e um pequeno volume de emigração foi orientada para as novas colónias, em especial para Angola e Moçambique.

2.6 O Acordo Luso-Britânico de 1884 sobre a Foz do Zaire

Assim e pela mesma razão os Portugueses ocuparam o Antigo Reino do Congo em 1881 e Cabinda e Massábi em 1883, como medida de afastar ou tentar neutralizar a influência dos franceses a norte (Ponta Negra) e de Leopoldo II da Bélgica na foz do rio Zaire (Boma e Matadi), que entretanto tinham estabelecido um número de feitorias comerciais ao longo da costa.

Com o objectivo de confirmar o seu domínio sobre a região, Portugal assinou um acordo com a Inglaterra em 1884, em que a Inglaterra confirmava a pretensão portuguesa. Contudo, tanto os Franceses com Leopoldo II da Bélgica montaram uma oposição muito forte contra o acordo, não o reconhecendo de forma alguma, e até argumentando ruídos de guerra. Face à oposição internacional e ao risco da deterioração das suas relações com o resto da Europa, incluindo o risco de uma nova guerra, o Parlamento Inglês não reconheceu o acordo com Portugal.

2.7 A Conferência de Berlim

Com o objectivo de confirmar e haver reconhecidas as suas possessões em África, especialmente os seus direitos históricos sobre a foz do Rio Zaire, Portugal de iniciativa própria apelou ao Chanceler Alemão Otto von Bismark para a realização de uma conferência internacional sobre a Bacia do Congo.

O pedido de tal conferência, que tinha sido feita por Portugal já algumas vezes em anos anteriores e tinha acabado em “ouvidos de mouco”, desta vez porém capturou a atenção de Bismark, que se via preocupado com a expansão francesa e inglesa em África, e com a falta de colónias alemãs em África.

Até aquela altura, a posição oficial (embora não a de facto) do governo alemão era que a Alemanha não estava interessada em colónias; contudo, a rápida ascensão da Inglaterra como potência económica através da Revolução industrial, convenceu Bismark que esta era a melhor oportunidade para a Alemanha se lançar também na Corrida à África, com o objectivo de assegurar fontes de matérias primas para a indústria alemã e de novos mercados para a sua economia emergente, e também de despoletar uma situação internacional que se tornava gradualmente mais explosiva.

A conferência teve lugar em Berlim, entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Novembro de 1885, durando os trabalhos quase um ano. Quatorze estados fizeram-se representar - Suécia-Noruega (que estavam unidas até 1905), Dinamarca, Inglaterra, Holanda, Bélgica, França, Alemanha, o Império Austro-Húngaro, Itália, Espanha, Portugal, Turquia, Rússia, e Estados Unidos da América - dos quais a França, a Inglaterra, a Alemanha e Portugal foram os mais protagonistas.

A conferência começou por discutir o estatuto internacional advogado para o delta do Rio Níger e da foz do Rio Zaire, que passariam a ser abertas ao comércio internacional, e não sujeitas a qualquer domínio colonial. Apesar do acordo atingido no que respeita à neutralidade para a foz do Zaire, a grande bacia do Zaire, incluindo a região do Baixo Congo (imediatamente a norte e Nordeste de Angola) passou a ser colónia privada do Rei Leopoldo II da Bélgica, sob a bandeira do Estado Livre do Congo.

2.8 A Corrida à África

Até ao tempo da Conferência de Berlim, a presença europeia em África reduzia-se a um número limitado de entrepostos costeiros, que tinham servido de portos negreiros durante os 350 anos do tráfico de escravos do Atlântico, com a excepção da presença portuguesa ao longo do curso do Rio Cuanza na costa ocidental, e do Rio Zambeze na costa oriental, e da penetração Boer na colónia do Cabo, no Transval e no Estado Livre de Orange na África austral.

É certo que a descoberta de diamantes a norte do Transval em 1867 tinha atraído um grande número de colonos à região, representando no todo menos de 10% da superfície total do continente. A Conferência de Berlim foi a primeira conferência global na história, na medida em que envolveu a maioria dos estados mais desenvolvidos na época (Europa e Estados Unidos da América), se bem que não tenha incluído qualquer estado da Ásia.

A conferência adoptou ainda o princípio fundamental de ocupação efectiva do território, pela qual a soberania de um estado colonizador sobre um território colonial era somente reconhecida pela comunidade internacional, se o país colonizador demonstrasse que tivesse uma presença efectiva que pudesse proteger o comércio na colónia, tivesse uma administração colonial e uma presença militar efectiva.

O princípio da ocupação efectiva fez da África um manto de retalhos de colónias europeias e resultou na configuração territorial das colónias não corresponder às fronteiras dos estados tradicionais africanos, pela qual nações africanas ficaram divididas entre várias colónias, e uma mesma colónia incluir estados tradicionais africanos inimigo tradicionais.

2.9 Impérios e Colónias

Após a Conferência, a África ficou assim dividida: Para a Inglaterra, o eixo de colónias do Cabo ao Cairo, incluindo o Sudão, Uganda, Quénia, Rodésia e Niassalândia (Zâmbia, Malawi, e Zimbabwe), Bechuanalândia (Botsuana), e Suazilândia (Lesoto), e as colónias da Costa do Ouro (Gana) e Nigéria.

A França ficou com a maior parte da África Ocidental, da Mauritânia ao Chade, e as colónias do Gabão e do Congo Francês (Brazzaville) na África Central.

A Alemanha ficou com a colónia do Togo no Golfo da Guiné, Sudoeste Africano (Namibia), e Tanganica (Tanzânia).

O Rei Leopoldo II da Bélgica viu confirmada a sua soberania sobre of Estado Livre do Congo (Congo Kinshasa).

Portugal ficou com Angola na costa ocidental e Moçambique na costa oriental. A Itália ficou com a Somalilândia (Somália) e parte da Etiópia.

A Espanha ficou com a pequena colónia da Guiné Equatorial (Rio Muni).

Introdução - Razões históricas da Presença portuguesa em África Angola e a Conferência de Berlim.

3.9.1 Os Escravos de Congo e Angola e a Ascensão da Hegemonia Europeia


1. Os Escravos de Angola e a Ascensão da Hegemonia Europeia

Começamos por relembrar que, como resultado do Tratado de Tordesilhas firmado entre Portugal e Espanha em 1494, os dois reinos ibéricos dividiram o mundo entre si, cabendo aos Portugueses o hemisfério oriental incluindo a África com a sua riqueze em ouro e marfim, e com o seu manancial quase infinito de mão-de-obra, e a Índia com possibilidades infinitas no comércio das especiarias. Os Espanhóis, por seu lado, ficaram com o hemisfério ocidental que incluia os ricos depósitos de ouro e prata nas Américas e com o comércio do Pacífico, incluindo as Ilhas Molucas (Filipinas) no Extremo Oriente; contudo sem uma oferta abundante, rentável e segura de mão-de-obra, que podia ser fornecida somente pelos Portugueses.

Portugal foi o primeiro estado europeu a estabelecer colónias de base agrícola nas novas terras descobertas, inicialmente no Atlântico (Madeira), depois em África (São Tomé) e mais tarde na América do Sul (Brasil); contudo, com uma população relativamente escassa e tendo em atenção o sorvedouro de gente que a empresa da Índia requeria, os Portugueses depressa concluiram que a empresa da colónia agrícola de plantação era de facto muito rentável, mas que requeria outra fonte de mão-de-obra que não somente colonos portugueses, descobrindo assim o papel fundamental que o escravo africano haveria a desempenhar neste novo sistema económico mundial.

Convém aqui lembrar que em termos relativos de emigração (emigração em relação à população), emigraram mais Portugueses para a Índia, para o Brasil e para África, que todos os emigrantes Espanhois, Ingleses, e Franceses juntos para as Américas.

No que respeita à fonte (oferta) de mão-de-obra, os Portugueses usaram escravos africanos primeiro na produção de açúcar na Ilha da Madeira, e depois na Ilha de São Tomé, onde ganharam a experiência na captura, transporte e venda de escravos africanos da costa ocidental de África para regiões distantes.

O lucro do tráfico negreiro depressa convenceu os Portugueses a estabelecerem feitorias para o tráfico de escravos ao longo da costa africana. Estabeleceram assim a feitoria de Arguim na costa ocidental, e em 1481 construiram o Forte de São Jorge da Mina - um projecto de construção verdadeiramente revolucionário para a época, pois os edifícios do forte foram todos pré-fabricados em Portugal, e os componentes foram "reconstruídos" por um grande contingente de pedreiros e carpinteiros portugueses, que em ecomissão de serviço, tinham sido contratados para completar a construção do forte no local.

A Corôa portuguesa entretanto tinha aperfeiçoado o regime de venda de privilégios reais a feitores para o tráfico negreiro nas costas de África. Esta experiência mostrou-se valiosa nos primeiros "asientos" (contrato de fornecimento de escravos) que Filipe II de Espanha (I de Portugal) já no tempo da União Ibérica conferiu em 1595 a negreiros de transportarem escravos das regiões de captura em África directamente para as minas de ouro no México, estabelecendo-se assim o que mais tarde se veio a designar pelo tráfico de escravos do Atlântico, e no qual Portugal viria a desempenhar o papel mais destacado na sua primeira fase.

Com a derrota da Armada Invencível da União Ibérica no Canal da Mancha em 1588, Portugal perdeu grande parte da sua marinha de guerra e mercante e com elas o seu primeiro império colonial - a Índia. Para Portugal havia assim que reagrupar depressa e encontrar outra fonte de riqueza essencial para o sustento da sua economia, o que se veio a concretizar com a rápida expansão da cultura do açúcar (a famosa cana mélica do Levante) no Brasil. Nasceu assim o segundo império português - o Brasil - que havia de perdurar até ao Grito do Ipiranga (declaração de Independência do Brasil) em 1822.

1.1 O Escravo de Angola no Ciclo do Açúcar do Brasil no Século XVII

Como bem disse o Padre António Vieira em meados dos Séc. XVII na sua campanha de angariar suporte para a retomada pelos Portugueses das fontes de escravos na África Central (São Jorge da Mina, São Tomé, Loango, Cabinda, Malembo, Sonho, Luanda e Benguela)"Sem Negros não há Pernambuco e sem Angola não há Negros!".

A mais-valia extraída do trabalho dos escravos de Angola foi o fulcro principal que sustentou a economia açucareira do Brasil no Século XVII, a mineira no Século XVIII, e a cafeeira até aos fins do Século XIX. Durante estes três séculos o Brasil desenvolveu um papel fundamental no quadro da economia mundial, ao mesmo tempo que o trabalho do escravo Angolano era o agente principal da criação da riqueza no Brasil e da contribuição deste para a economia mundial.

Em termos estatísticos muito sumários, estima-se que durante o período do tráfico de escravos do Atlântico (entre 1519 e 1867), tenham sido levados de Angola e da Bacia do Congo mais the 5 milhões de pessoas, a uma média mensal de cerca de 1.250 (ou média diária de cerca de 40 escravos), perfazendo cerca de 44% da exportação de escravos de África. Cerca de 10.000 escravos chegava em média anualmente ao Brasil. Em termos do total para o tráfico de escravos do Atlântico, de 1519 a 1867, 11,6 milhões de homens, mulheres e crianças foram levadas do interior de África para as Américas, 3,3 milhões morreram no percurso entre a sua região de origem e o porto negreiro na costa, e 1,5 milhões morreram na Passagem do Meio (travessia do Atlântico). O número total de pessoas escravizadas e vendidas ou que morreram no tráfico do Atlântico sómente, excluindo o número de escravos exportados para o Norte de África e estados árabes e o número de escravos exportados para o Irão, Índia, e para o resto da Ásia, estima-se em mais de 15 milhões.

Ainda que em forma muito sumária, penso que é útil delinear aqui a estrutura da economia mundial dos séculos XVII e XVIII e o papel que Angola e o Brasil desempenharam na mesma.

1.2 Os Holandeses no Atlântico Sul

Vazios de homens e de capitais, de equipamento e de meios de transporte, os Portugueses tiveram que financiar a empresa do açúcar brasileiro com empréstimos concedidos por banqueiros e comerciantes Holandeses, para a compra de equipamento produzido na Holanda, ao mesmo tempo que o transporte do açúcar brasileiro para a Europa e dos escravos de África para o Brasil eram feitos também em navios holandeses.

O influxo de capitais para os Países-Baixos foi por sua vez sustentado em grande parte por Judeus (Cristãos-Novos) que tinham sido expulsos da Península Ibérica e que se haviam refugiado nos Países-Baixos. Porém, é importante relembrar que desde os primórdios da colonização das Américas os Holandeses adoptaram uma stratégia económica nacional com base no comércio ultramarino. Com a fundação das companhias de comércio ultramarino (as percursoras das actuais sociedades anónimas), os Holandeses desde a partida asseguraram o monopólio do comércio com a Ásia, a África e as Américas no Século XVII. A sua frota marítima era constituída por navios de maior tonelagem e de menor tripulação, o que rendia maiores lucros, e nos finais do Século XVII a sua frota mercante era maior que as frotas da Inglaterra, da França, da Alemanha, e de Portugal combinadas.

Pela sua oportunidade e importância, transcrevo a seguir um trecho da "Formação Económica do Brasil", páginas 10 e 11, do Professor Celso Furtado, recentemente falecido, cuja obra considero a mais importante de todos os economistas de língua portuguesa:

"A partir da metade do Século XVI a produção portuguesa de açúcar passa a ser mais e mais uma empresa em comum com os flamengos, inicialmente representados pelos interesses de Antuérpia e em seguida pelos de Amsterdã. Os flamengos recolhiam o produto em Lisboa, refinavam-no e faziam a distribuição por toda a Europa, particularmente o Báltico, a França e a Inglaterra.

A contribuição dos flamengos - particularmente dos holandeses - para a grande expansão do mercado do açúcar, na segunda metade do Século XVI, constitui um fator fundamental do êxito da colonização do Brasil. Especializados no comércio intra-europeu, grande parte do qual financiavam, os holandeses eram nessa epoca o único povo que dispunha de suficiente organização comercial para criar um mercado de grandes dimensões para um produto práticamente, como era o açúcar.

... E não sómente com a sua experiência comercial contribuíram os holandeses. Parte substancial dos capitais requeridos pela empresa açucareira viera dos Países-Baixos. Existem indícios abundantes de que os capitalistas holandeses não se limitaram a financiar a refinação e comercialização do produto. Tudo indica que os capitais flamengos participaram no financiamento das instalações produtivas no Brasil bem como no da importação da mão-de-obra escrava.

... Se se tem em conta que os holandeses controlavam o transporte (inclusive parte do transporte entre o Brasil e Portugal), a refinação e a comercialização do produto depreende-se que o negócio do açúcar era na realidade mais deles do que dos portugueses. Somente os lucros da refinação alcançavam aproximadamente a terça parte do valor do açúcar em bruto."

Animados com o êxito da Companhia das Índias Orientais na Insulíndia (Indonésia actual) e com a derrota dos Portugueses na Índia e a sua fraqueza militar e económica no Brasil e em África, os Holandeses depressa adoptaram a mesma solução para o domínio do Atlântico Sul, o que levou primeiro ao estabelecimento da Companhia Privilegiada da Índias Ocidentais em 1621 e à conquista de Salvador da Bahia em 1624 (retomada pelos Portugueses e Espanhois no ano seguinte), de Recife (na Capitania de Pernambuco) em 1630, e poucos anos depois a costa entre Sergipe e o Maranhão.

Cientes da necessidade de assegurar uma oferta abundante, segura e barata de escravos africanos, os Holandeses tomaram aos Portugueses em 1637 o Forte de São Jorge da Mina no Golfo da Guiné, e mais tarde em 1641 a Ilha de São Tomé e a colónia de Angola (Cabinda, Pinda (Soyo), Luanda e Benguela), que eram já os principais portos negreiros fornecedores de escravos na costa africana a sul do equador para a indústria do açúcar brasileira. Em 1652 os Holandeses fundaram a Colónia do Cabo (na África do Sul de hoje) como posto de reabastecimento ás suas carreiras para a Insulíndia e base militar para policiamento do Atlântico Sul.

O sucesso batavo nesta empresa foi assinalável, já que por 24 anos, os holandeses tomaram aos Portugueses as sete capitanias mais prósperas da costa brasileira, embora nunca tenham sido capazes de expulsar completamente os Portugueses do Brasil. O apogeu do domínio batavo do Brasil teve lugar durante o consulado do Príncipe João Maurício de Nassau (1637 a 1644), que em poucos anos transformou a cidade do Recife, capital de Pernambuco e sede do governo holandês, numa das cidades mais modernas e cosmopolitas do mundo de então.

1.3 El Cerro Rico de Potosi

A descoberta da América por Cristóvão Colombo em 1492 e da descoberta do Brasil por Pedro Álvares Cabral em 1500 (em que o debate está ainda em aberto se a viagem de Pedro Álvares à costa brasileira foi acidental, se planeada, ou mesmo se Duarte Pacheco Pereira já lá tinha chegado poucos anos antes), abriram o Novo Mundo à Espanha e Portugal. Estas descobertas foram um tanto acidentais, pois os dois estados ibéricos encontraram as Américas como um corolário inesperado na procura de uma rota marítima ocidental para a Índia, e daí o termo "Índio" dado aos habitantes nativos do Novo Mundo.

Os primeiros contactos com os habitantes do Novo Mundo não levaram ao estabelecimento de qualquer comércio de monta de imediato, ao contrário da experiência dos Portugueses em África e na Índia. A única excepção de nota foi a exploração do pau brasil ao longo da costa oriental da América do Sul, mais tarde designada Brasil, termo com raíz na palavra francesa cor de braza / vermelha do pau que se passou a usar na produção de corante de tinturaria para a crescente indústria textil francesa sediada em Rouen e na Flandres.

Os Espanhois, por seu lado, procuravam em vão uma passagem por terra para o Ocidente, através do novo continente. A primeira colónia permanente no Novo Mundo foi estabelecida por Cristóvão Colombo na sua segunda viagem, na costa norte da Ilha Hispaniola, onde se fez o traçado para uma cidade, o governo municipal foi estabelecido, e terra foi dividida entre os colonos espanhois, que com a atribuição da terra, recebiam também um número de nativos para trabalhar a terra (encomienda).

A cana de açúcar foi introduzida cedo na Ilha Hispaniola (hoje República Dominicana e Haiti) em 1493, e em 1520 havia 28 engenhos activos na produção de açúcar. Em 1513 foi encontrado ouro na costa sul da Hispaniola, o que despertou o interesse da corôa espanhola.

Ainda em 1513 Juan Ponce de Leon reconheceu a costa da Florida e Vasco Nunez de Balboa atravessou o istmo do Panamá e avistou o Oceano Pacifico. Em 1516 Juan Díaz Solis explorou a foz do Rio da Prata. Em 1518 a costa da Península do Yucatan foi reconhecida por Francisco Hernandez de Córdoba e Juan de Grijalva.

Após Fernão de Magalhães ter provado em 1521 através da sua viagem de circum-navegação que as Molucas (parte do arquipélago das Ilhas Filipinas) se podia atingir pelo ocidente, a estratégia colonial espanhola mudou. Constatada que foi a duração e custo de tal viagem, a corôa espanhola concentrou os seus esforços na procura de metais preciosos no Novo Mundo, e relegou para segundo lugar a preocupação de competir com os Portugueses no comércio das especiarias da Insulíndia. Como sabemos Fernão de Magalhães não chegou a cumprir a viagem pois foi morto numa escaramuça com os nativos das Ilhas Cebú, o que não lhe tira o crédito de ter planeado e comandado a expedição mais difícil até hoje realizada na exploração do planeta.

Em 1521 Hernán Cortés conquistou o México e surpreendeu o mundo com a quantidade de ouro e prata obtida dos povos conquistados, com valor muito superior a qualquer comércio de especiarias com a Índia. A conquista do México mudou a estratégia dos Espanhois no Novo Mundo. Não importava jamais procurar e desenvolver o comércio, já que a riqueza em ouro e prata tudo suplantava. Assim, assistimos à acção dos Conquistadores em procura do El Dorado, que com colunas militares relativamente pequenas conquistaram impérios imensos no Novo Mundo.

A conquista da América Central foi completada em 1525, e por cerca de 1543, os Espanhois dominavam mais de metada do território da América do Norte, entre as Carolinas na costa atlântica e o Oregon na costa do Pacífico. Em 1531 Francisco Pizarro completou a conquista do Império Inca e surpreendeu ainda mais o mundo com a riqueza em ouro e prata do despojo da conquista de Cuzco e Machu Pichu, em valor muito mais elevado que o arrecadado por Hernán Cortés no México.

Devido à sua riqueza o Perú passou desde a sua conquista a ser o centro principal da expansão Espanhola nas Américas. Por outro lado, nas Caraíbas, a cidade de Havana, fundada em 1519 desde cedo se tornou o centro da expansão Espanhola nas Caraíbas, e Buenos Aires, fundada em 1536, tornou-se o centro da expansão do interior da América do Sul, a partir da foz do Rio da Prata. Em 1545 os Espanhois descobriram a mina de prata de Potosi, numa região remota e montanhosa do Perú (na região que mais tarde se havia de chamar Bolívia), talvez a mina mais rica do mundo. Outras descobertas de minas muito ricas se fizeram em seguida, tornando-se a América Espanhola o maior produtor de ouro e prata do mundo de então.

A riqueza em ouro e prata do Perú e do México foi decerto o elemento chave do arranque económico do império Espanhol no Novo Mundo; contudo, a agricultura e pecuária foram as actividades que possibilitarm a dominação efectiva dos Espanhois sobre um território tão vasto. A mão-de-obra nativa, utilizada inicialmente na forma de "encomiendas" provou não ser solução suficiente para a crescente procura de mão-de-obra para trabalhar as minas. Tornou-se então necessário recorrer ao trabalho escravo de africanos, que em número sempre crescente, depressa substituíu a mão-de-obra nativa (Índia).

Assim, no Novo Mundo os escravos africanos depressa não eram só essenciais à produção de açúcar do Brasil; eles tornaram-se também imprescindíveis às minas de ouro do e prata do México, e às minas de prata do Perú e da Bolívia (a serra de prata de Potosi). Em termos muito sumários as minas da América Espanhola absorveram durante o período do tráfico de escravos do Atlântico mais de 2,6 milhões de africanos (à razão de cerca de 7.500 por ano), o que levou a União Ibérica (Espanha e Portugal) a concentrar os seus esforços na reconquista imediata da Bahia, Pernambuco e Maranhão aos Holandeses.

Assim, em 1625, coadjuvados pelos Espanhois, os Portugueses conseguiram reunir a mais poderosa esquadra naval jamais vista no Atlântico Sul (52 navios e 12.000 homens) e reconquistaram Salvador da Bahia (que era a sede do poder Português no Brasil), e com a ajuda dos Portugueses do Rio de Janeiro, reconquistaram Luanda, Benguela e São Tomé em 1648.

Contudo, os Holandeses mantiveram o controle sobre os dois portos negreiros estratégicos do Forte de São Jorge da Mina e de Loango, que dominavam o comércio negreiro no Golfo da Guiné. Este esforço veio a materializar-se com a expulsão definitiva dos Holandeses de Angola e São Tomé em 1648 e do Brasil (Recife, Pernambuco) em 1654, e a consequente restauração do domínio português (mais própriamente, o domínio brasileiro) do Atlântico Sul.

1.4 Salvador Correia de Sá e a Restauração do Domínio Português no Atlântico Sul

XXXXX - Ainda em desenvolvimento

1.5 A Ascensão da Economia de Plantação nas Antilhas

Depois da sua expulsão do Brasil, mas ainda cientes do seu controle sobre a economia açucareira, os Holandeses deixaram o Brasil mas não sem levarem consigo a tecnologia, o capital, o equipamento, e as fontes de escravos africanos, e mudaram-se para as Antilhas, onde depressa estabeleceram plantações que em poucos anos suplantaram o volume de produção do açúcar brasileiro, o que veio a resultar numa baixa mundial de preços do açúcar muito longa que se traduziu numa crise económica muito longa e profunda da economia açúcareira brasileira da qual jamais se haveria de recuperar.

De facto, com fontes de capital e mão-de-obra asseguradas, com maquinaria e equipamento novo e mais moderno, e com custos de transporte mais baixos do açúcar para a Europa e as Colónias Americanas devido à maior proximidade entre as regiões produtoras (Antilhas) e as de consumo (Europa), os Holandeses depressa retomaram o comando da produção e comércio mundial de açúcar, e com isto despertaram o interesse da Inglaterra e da França para fazerem o mesmo, deixando os Portugueses no Brasil na difícil posição de terem de competir num mercado em que os preços estavam numa baixa de longa duração, enquanto os seus custos de produção continuavam a cresecer, e a distância de mercados obrigava a custos de transporte mais elevados.

Seguindo o exemplo dos Holandeses, em breve os Ingleses e Franceses tomaram aos Espanhois as ilhas mais importantes nas Antilhas, com a excepção das ilhas de Cuba e Porto Rico, estabelecendo promissoras colónias de plantação de açúcar no Haiti (França), na Jamaica e em Barbados (Inglaterra). Com um excedente de população relativamente grande, a Inglaterra depressa copiou e expandiu o modelo de plantação de açúcar levado pelos Holandeses para as Antilhas, que passou a incluir também plantações de tabaco e anil nas ilhas, e de algodão nas Colónias Americanas mais meridionais (Virginia, as Carolinas e a Geórgia) no continente americano.

Antes de recorrerem ao tráfico de escravos africanos através do Atlântico, os Ingleses usaram primeiro o excedente da sua própria população nas suas Ilhas Britânicas com fonte principal de mão-de-obra para as suas novas colónias nas Antilhas e na América. Como resultado das profundas transformações económicas na agricultura inglesa (o regime de propriedade cercada (enclosures) para a criação de grandes rebanhos de carneiros para a produção industrial de lã nas cidades), grande número de trabalhadores da terra viram-se sem possibilidades de sobrevivência nos campos, não tendo outro recurso senão tentarem melhor sorte nas cidades, para onde emigravam em grande número, e oferecerem a sua força de trabalho no Novo Mundo através de contratos de regime de servidão temporária de cinco a sete anos (indenture), a troco do pagamento da passagem, comida e dormida durante o termo do contrato, e no final deste, um pedaço de terra no Novo Mundo, ou um pequeno montante em dinheiro, que podiam investir eles próprios em pequenas fazendas ou comércio.

É importante salientar aqui que as condições de trabalho para os trabalhadores ingleses em regime de servidão temporária nas Antilhas e nas Colónias Americanas não eram melhores que as do escravo africano, na medida em que o trabalhador em regime de servidão temporária era mais barato que o escravo de África, e a sua oferta em número era muito maior que a procura. A estes factores devemos adicionar o facto que os donos das plantações de açúcar viam os trabalhadores em regime de servidão temporária como possível concorrência à sua posição de poder no quadro económico local e regional, de forma que nunca fizeram o tempo do contrato um período aprazível ou atraente ao trabalhador emigrante.

Porém, devido à concorrência militar entre a Inglaterra e a França no Novo Mundo, e ao estado mais ou menos constante de guerra entre elas, este excesso de população passou a ser usado também na guarnição de fortes espalhados pelo mundo e no número crescente de navios de guerra necessários para manter a sua hegemonia, em vez de continuar a ser canalizada para a economia de plantação nas Antilhas. Esta redução crescente da oferta de mão-de-obra para as plantações nas Antilhas e na América levou a Inglaterra e a França a embarcar também no negócio do tráfico de escravos africanos em grande escala, e que em breve haviam de desafiar a supremacia histórica portuguesa no tráfico negreiro.

1.6 O Desenvolvimento das Colónias Inglesas na América

Com o rápido desenvolvimento económico e populacional das Antilhas, os Ingleses encontraram nas colónias da Nova Inglaterra (New England - Maine, New Hampshire, Massachussets, Rhode Island, New York, Pennsylvania, Delaware e Maryland), a região ideal para a produção de artigos de consumo e de capital (cereais, batata, madeira, vestuário, ferramentas, equipamento, e navios) para venda nas Antilhas, a um preço mais baixo que os produtos produzidos na Europa, já que os custos de mão-de-obra eram mais baixos na América e o custo do frete marítimo era muito menor, devido a maior proximidade da América em relação às Antilhas, do que a distância longa e perigosa entre as Antilhas e a Europa.

Da interacção de todos estes factores resultou o rápido desenvolvimento económico e populacional das Colónias Americanas, que cedo se estabeleceram com o mercado fornecedor da maioria dos bens necessários (bens de consumo e de capitais) às economias de plantação nas Antilhas e as colónias emergentes no centro e sul do continente norte-americano. Do mesmo modo, as colónias do Sul (Virgínia, Carolinas e Geórgia) cedo se especializaram na produção de tabaco, arroz, e, principalmente, algodão, que em breves anos se tornaram a principal região produtora de algodão e abastecedora das economias emergentes no Novo Mundo, em África, e principalmente na Europa.

1.7 O Ciclo do Ouro no Brasil

A descoberta de ouro no Rio das Velhas (Ouro Preto) e em Vila Rica nos últimos anos do Século XVII e de diamantes em 1723 em Cerro do Frio, na Capitania de Minas Gerais, no Brasil, anos mais tarde salvou a independência política de Portugal por mais de um século, ao mesmo tempo que, irónicamente, relegou a economia lusitana para um estado de subdesenvolvimento crónico que havia de perdurar quase três séculos.

Isto porque os rendimentos do "quinto" arrecadado do ouro do Brasil pela corôa portuguesa foram suficientemente abundantes para Portugal poder continuar como estado independente, ao mesmo tempo que enfeudaram a economia portuguesa ao domínio da inglesa, através dos tratados de 1654 e de Methuen em 1703, pelos quais o suporte militar inglês era garantido a custo da ausência completa de qualquer indústria agrícola ou transformadora de relevo em Portugal e sujeição absoluta à indústria inglesa.

Assim, o ouro do Brasil não parava sequer em Lisboa; era imediatamente re-exportado como pagamento para as importações inglesas, ao passo que o papel de Portugal na economia europeia era reduzido à produção de vinho do Porto para exportação, cuja indústria e comércio eram por sua vez controlados por mercadores ingleses.

1.8 O Escravo Angolano na Economia Mineira do Brasil

YYYY - Ainda em desenvolvimento

"O Brasil era o paraíso para o Mulato, Purgatório para o Branco, e Inferno para o Negro"

Eduardo Bueno "Terá sido o pior lugar do mundo, o ventre da besta e o bojo da fera, embora para aqueles que eram responsáveis por ele, não estavam lá, fosse o mais lucrativo dos depósitos e o mais vendável dos estoques. No porão dos navios negreiros que por mais de trezentos anos cruzaram o Atlântico, desed a costa oeste de África até à costa nordeste do Brasil, mais de três milhões de africanos fizeram uma viagem sem volta, cujos horrores geraram fortunas fabulosas, ergueram impérios familiares e construíram uma nação. O bojo dos navios da danação e da morte eram o ventre da besta mercantilista: uma máquina de moer carne humana, funcionando incessantemente para alimentar as plantações e os engenhos, as minas e as mesas,a casa e a cama dos senhores - e, mais do que tudo, os cofres dos traficantes de homens.

... um único exemplo. Em 1841, a belonave inglesa Fawn, capturou na costa brasileira, o navio Dois de Fevereiro. Desde 7 de Dezembro de 1831, o tráfico era ilegal no Brasil e navios de guerra britânicos patrulhavam o litoral. Após a apreensão do tumbeiro, o capitão do Fawn anotou, no diário de bordo a cena com o qual se deparou nos porões da embarcação: "Os vivos, os moribundos e os mortos amontoados numa única massa. Alguns desafortunados no mais lamentável estado de varíola, doentes com oftalmia, alguns completamente cegos; outros esqueletos vivos, arrastando-se com dificuldade, incapazes de suportarem o peso dos seus corpos miseráveis. Mães com crianças pequenas penduradas em seus peitos, incapazes de darem a ela uma gota de alimento. Como os tinham trazido até aquele ponto era surpreendente: todos estavam completamente nús. Seus membros tinham escoriações por terem estado deitados sobre o assoalho durante tanto tempo. No compartimento inferior o mau-cheiro era insuportável. Parecia inacreditável que seres humanos sobrevivessem naquela atmosfera".

1.9 Portugal, a Inglaterra e o Tratado de Methuen

Por outro lado, o que restava da riqueza do ouro foi aplicada em Portugal em investimentos supéfluos e retrógrados como o Convento de Mafra, em vez de serem canalizados para investimentos na agricultura, na indústria ou na renovação da frota marítima, que haveriam de valorizar a economia. Para a Inglaterra, os lucros imensos das exportações para Portugal foram um factor chave para a rápida industrialização inglesa, pois permitiram uma acumulação de capital muito rápida e extensa, o que constituiu o impulso inicial para a Revolução Industrial Inglesa já nos princípios do Século XIX.

O Marquês de Pombal caracterizou bem esta relação económica quando disse "que a Inglaterra havia reduzido Portugal a uma situação de dependência, conquistando o reino sem os incovenientes de uma conquista militar, em que Portugal tinha de importar tudo", relembrando até que "os escravos que trabalhavam nas minas do Brasil tinham que ser vestidos pelos Ingleses"(citado por Celso Furtado).

Por outro lado e ainda citado por Celso Furtado, o historiador inglês W. Cunningham na sua obra "The Growth of Modern Industry and Commerce, Modern Times", Cambridge, 1921, caracterizou melhor os benefícios deste acordo económico para a Inglaterra quando disse: "To extent to which Portugal took off our manufacturers, and thus encouraged industry in this country, appeared to be measured by the vast amount of Brazilian bullion which was annually imported from Portugal. This was estimated at 50,000 Pounds per week... We cannot wonder that, according to the ideas of the time, Methuen's achievement was rated very high: he had opened up a large foreign demand for our goods, and had stimulated the employment of labour at home; while much of the returns from Portugal came to us in the form which was most necessary for restoring the currency, and most convenient for carrying on the great European War", e Alan Manchester na sua obra "British Preeminence in Brazil, Its Rise and Decline", publicada em 1933, afirmou que o comércio português era "at the present time the most advantageous that we drove anywhere, the very best branch of all our European commerce".

Como resultado do afluxo ao mercado de quantidades imensas de ouro do Brasil à Inglaterra (via Portugal), Londres substituiu Amsterdão como o maior centro financeiro do mundo, lugar cimeiro que havia de ocupar por mais de duzentos anos.


Referência Bibliográfica

Se quiseres aprofundar o estudo desta época tão importante para a hegemonia europeia da economia mundial, sugiro a consulta dos textos do Professor Celso Furtado "Teoria e Política do Desenvolvimento Económico", edição portuguesa das Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1971, o clássico "Formação Económica do Brasil" 17a. edição da Editora Nacional, São Paulo, 1980, e "A Economia Colonial no Brasil dos Séculos XVI e XVII", publicado pela Editora Hucitec, São Paulo, 2000;

Recomendo ainda a consulta da obra extensa do Professor Charles Ralph Boxer, também recentemente falecido, da qual realço o clássico "The Portuguese Seaborn Empire 1415 - 1825" originalmente publicado em 1969, e recentemente publicado pela editora Carcanet em cooperação com a Fundação Calouste Gulbenkian e a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Esta obra é talvez a melhor análise da expansão portuguesa no mundo, e está traduzida em Português, tendo sido publicada no Brasil e em Portugal;


a obra "Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola 1602 - 1686", publicada pela University of London e a Athlon Press, London, 1952; e a obra "The Golden Age of Brazil - Growing Pains of a Colonial Society 1695 - 1750", publicada pela St. Martin's Press, New York, 1995.

Sugiro ainda a consulta de dois estudos muito bons de história económica: a obra clássica de J. Lúcio de Azevedo "Épocas de Portugal Económico", 3a. edição da Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1973; a obra fundamental do Professor Vitorino Magalhães Godinho "Os Descobrimentos Portugueses e a Economia Mundial", 2a edição publicada pela Editorial Presença, em Lisboa, 1983;

E, finalmente, a obra de Caio Prado Júnior "Histórica Económica do Brasil", publicado pela Editora Brasiliense, 46a. reimpressão, São Paulo, 2004.

Recomendo sobretudo a leitura da obra magnífica de divulgação histórica de Eduardo Bueno "Brasil: uma história - a Incrível Saga de um País", 6a. impressão da Editora Ática, São Paulo, 2005, pois além do seu excelente conteúdo, nos presenteia com uma colecção impressionante the gravuras e imagens da história do país irmão.